Intercâmbios musicais, 1100-1650: A circulação de música antiga na Europa e além-mar em fontes ibéricas ou conexas
Resumo
O objectivo global do projecto consiste em obter um melhor entendimento das diferentes formas de integração e participação de Portugal e dos seus parceiros culturais e espirituais na dinâmica da cultura europeia através da música, do cerimonial e da liturgia, da Idade Média ao início da Era Moderna. Uma das questões mais importantes concernentes à música em Portugal é a da extensão da sua dependência ou, pelo contrário, da sua independência relativamente a outras tradições europeias.
O projecto baseia-se nos resultados de trabalho anterior que, embora incompleto, respeita à identificação e à reprodução digital de manuscritos de música, da Idade Média até c. 1600. A recuperação e o início do estudo sistemático de milhares de fragmentos e de volumes completos de cantochão datados desde c. 1100, permite entrever as modalidades de recepção em Portugal das tradições de canto oriundas de importantes casas monásticas e regiões de França – Cluny, Claraval e a Aquitânia.
Um dos aspectos da investigação consiste em rastrear padrões de disseminação das tradições melódicas e localizá-los num contexto alargado, o que requer a continuação do trabalho de campo e a construção de uma base de dados indexada e pesquisável, acessível através de uma rede internacional. Uma das mais significativas colecções de música medieval datada do séc. XIII, as Cantigas de Santa Maria de Afonso X, também revela ligações a tradições melódicas e rítmicas oriundas de França e do Mediterrâneo ocidental.
A base de dados CSM, recentemente constituída, servirá para apurar estes dados. Certas colecções de repertório internacional importadas tardiamente para Portugal, como o Ms Porto 714, testemunham o intercâmbio musical no norte de Itália. Fragmentos de polifonia isolados, datados do séc. XV, indiciam a importação de música associada às cortes e aos prestigiados centros musicais do norte da Europa e de Espanha.
O extenso conjunto de fontes de polifonia copiadas no Mosteiro de Sta. Cruz de Coimbra (também incluídas na base de dados) revela-nos os paradigmas de composição no período c. 1520-c. 1620, que nos mais antigos exemplos parecem adoptar, ora as características associadas às escolas do norte da Europa de c. 1500, ora as características do chamado «Repertório da corte espanhola», que circulava em Portugal na primeira metade do séc. XVI. Um importante compositor de origem portuguesa, activo em Espanha e em Portugal neste período, foi Pedro de Escobar, cuja música é um exemplo do diálogo de estilos musicais. A publicação da antologia de tecla de G. de Baena (1540) constituirá outra contribuição importante para documentar este diálogo internacional.
Os textos normativos e cerimoniais proporcionam uma importante perspectiva da execução e da estrutura compositiva, tanto de obras polifónicas como do cantochão. A documentação histórica proporciona a compreensão do funcionamento de instituições como as grandes catedrais (Évora, Braga, Coimbra, Lisboa), os mosteiros (Sta. Cruz, Alcobaça) e as capelas ducal e real. A estreita relação entre a catedral de Elvas e a de Badajoz proporcionará um estudo de caso significativo das relações musicais Portugal-Espanha. Uma parte importante do projecto centrar-se-á nos aspectos do repertório e dos usos cerimoniais na capela real, de D. Duarte a D. João IV (c. 1433-c. 1656), recorrendo a documentação apenas parcialmente explorada na historiografia anterior. Podemos considerar esta instituição como um paradigma da recepção de repertórios internacionais, que posteriormente integraram as tradições musicais portuguesas.
A música europeia viajou para a América Latina e para a Índia através de Portugal e os testemunhos desta circulação intercontinental serão também objecto de estudo sistemático. Em resumo, os resultados do projecto proporcionarão um salto quantitativo e, sobretudo, qualitativo na nossa compreensão contextualizada da cultura musical em Portugal.