A arte organeira e a prática organística em Portugal no século XIX: entre tradição e modernidade
Resumo
A evolução do órgão ibérico – ressalvadas as diferenças inerentes às tradições organeiras espanhola e portuguesa – partilha um percurso bastante comum entre os anos 1730 e 1780, quando o órgão português acabará por se distanciar de forma inexorável da tradição organeira espanhola que, por certo, lhe definira os principais planos sonoros e o agenciamento do organismo instrumental. Mestres organeiros como António Xavier Machado e Cerveira (1756-1828) e Joaquim António Peres Fontanes (1750-1818) – e, ainda por reconhecer devidamente, Manuel de Sá Couto (1768-1837) – foram os principais impulsores de uma forma inequivocamente portuguesa de conceber o órgão, influenciada por alguns recursos tanto fónicos como mecânicos do órgão italiano coetâneo, interpretados em Portugal de forma genuinamente autóctone, seja no continente, nas ilhas ou no ultramar luso-americano. Tal orientação organeira, cuja continuidade é drasticamente interrompida em Lisboa com a morte de Peres Fontanes, Machado e Cerveira e o advento das Guerras Liberais, persistiu, sem embargo, nos Açores e no Norte do País, constituindo uma autêntica escola organeira vigente até ao final dos anos 1880. O repertório organístico coevo, cuja produção musical apresenta um franco declínio a partir dos anos 1830, era fortemente secundado pelo moderno estilo sinfónico-operático italiano, igualmente evidenciado na música organística espanhola da época. Com base em fontes documentais filológicas, organológicas, iconográficas e musicais, o presente projecto pretende estudar a arte organeira e a prática organística em Portugal e, por extensão, no Brasil, no decurso do século XIX, incidindo particularmente na prática instrumental historicamente informada e na sua indissociável relação com a organaria, sempre à luz de um contexto correlato mais abrangente – quer italiano, espanhol – que possa elucidar eventuais lacunas no que tange à tradição lusa, com especial atenção à organaria setentrional portuguesa oitocentista, que ainda carece de uma investigação sistemática a condizer com a relevância do corpus instrumental remanescente.