Fernando Lopes-Graça e a Literatura Moderna Brasileira: suas abordagens musicais de Manuel Bandeira e Jorge Amado
Conferência por Guilhermina Lopes
19 de Maio de 2018
17h-19h
Centro Cultural de Cascais
A relação de Fernando Lopes-Graça com o meio intelectual brasileiro compreende duas viagens ao país (1958 e 1969), publicação de textos e apresentação de composições brasileiras em Portugal, dedicatórias de obras, composições de temática brasileira e uma vastíssima correspondência – mais de 4 décadas e de 40 interlocutores, entre intérpretes, compositores, musicólogos, críticos e instituições. Destacam-se ainda duas personalidades ligadas ao meio literário: o poeta Manuel Bandeira (1886-1968) e o romancista Jorge Amado (1912-2001), autores que tiveram obras musicadas por Lopes-Graça e que constituem o tema desta palestra. De Bandeira, Lopes-Graça musicou o poema Desafio. A canção, para voz e piano, foi concluída em junho de 1958. Apesar de o poema retratar com bastante fidelidade as estruturas de métrica e rima comuns ao gênero popular a que o título se refere, o compositor, em sua abordagem musical, não busca recriar o repente do nordeste brasileiro. Faz referência, na verdade, a elementos muito característicos do estilo de Bandeira, porém presentes em outras de suas obras, como a diversidade estilística, a mistura de sentimentos e sensações aparentemente contraditórios e o humor resultante da junção, num mesmo poema, de vários registros da linguagem. Lopes-Graça homenageia a “impureza” e irreverência bandeirianas por meio da sobreposição de lirismo, brejeirice e valentia, que se misturam nas indicações de caráter e no jogo entre barcarola e impulso de dança espanhola, envolvido por uma harmonia impressionista. “Gabriela, cravo e canela, abertura para uma ópera cómica”, sobre o romance homônimo de Jorge Amado, foi composta entre os anos de 1960 e 1963. Podem-se perceber, na abordagem musical de Lopes-Graça, dois contrastes sobre os quais o enredo é construído: atraso/progresso urbano e sujeição/libertação feminina. O compositor não faz uso direto de temas ou instrumentos tradicionais, mas em alguns trechos utiliza-se de recursos melódicos, harmônicos e tímbricos que evocam a música rural da região nordeste do Brasil. Em outros momentos, instrumentos de metal em textura densa e ritmo e articulação abruptos aludem à paisagem sonora de uma cidade em franca urbanização e modernização. Uma outra referência que se percebe numa escuta mais atenta é o ritmo de habanera, sobre o qual boa parte da peça é construída e, mais precisamente, a ária Habanera da ópera Carmen (1875), de Georges Bizet. Apresento uma análise dessa relação intertextual, possivelmente motivada em Lopes-Graça pelo paralelo entre as características de sensualidade e liberdade associadas às duas personagens. Trago, por fim, uma discussão da ideia de “morte necessária” da mulher que foge às expectativas morais e sociais e sua subversão por Amado e Lopes-Graça, esta última realizada musicalmente a partir da noção de anticlímax, recurso frequente em sua escrita e que revela um senso de humor raramente associado à sua personalidade e produção.