Chamada de trabalhos para o Dossiê temático “Ainda guardo renitente um velho cravo para mim…”: a música no Brasil e em Portugal em tempos de ditadura e sua repercussão na atualidade.

No ano em que se completam 60 anos do golpe militar no Brasil e 50 anos da Revolução dos Cravos em Portugal, o dossiê “Ainda guardo renitente um velho cravo para mim…”: a música no Brasil e em Portugal em tempos de ditadura e sua repercussão na atualidade se propõe a um diálogo sobre o papel da música e seus atores sociais nas ditaduras destes países, bem como seus desdobramentos na atualidade. Além disso, o dossiê se insere na esteira de outras iniciativas acadêmicas e culturais sobre o tema previstas para 2024.
Tendo em vista que o ano de 2024 marca, historicamente, 60 anos do golpe que instaurou uma ditadura militar no Brasil e 50 anos da Revolução dos Cravos, evento que inaugurou o movimento de redemocratização de Portugal – após mais de 40 anos de ditadura -, somos motivados a refletir sobre o papel da música e dos músicos nestas duas realidades que tinham em comum o uso da repressão e da censura como formas de controlar a esfera cultural e afugentar qualquer risco de insurgência.
Importante recordar que o regime ditatorial em Portugal se configurou em dois momentos: o primeiro, por um golpe militar em 1926 que derrubou o regime liberal republicano dando fim, portanto, à Primeira República; e o segundo, que teve como ponto de partida a aprovação de uma nova constituição por plebiscito nacional, inaugurando, em 1933, o Estado Novo e a era salazarista. Assim, uma ditadura militar cede lugar a uma ditadura constitucionalizada até 25 de abril de 1974, quando se deu a famosa Revolução dos Cravos.
Enquanto isso no Brasil, em 1964, na esteira do anticomunismo que tomou corpo na América Latina após a Revolução Cubana de 1959, militares formados pela Escola Superior de Guerra e sob forte influência dos EUA finalmente deram cabo a um golpe de estado que, na verdade, urdiam desde 1954. A ação acabou tomando a feição de golpe civil-militar dado o forte apoio da elite econômica e setores das classes médias. Durou cerca de 20 anos e revelou-se um golpe contra a política democrática, já que também liberais e até mesmo conservadores foram vitimados por suas práticas de tortura e cerceamento. Dentre os músicos portugueses, vários nomes estão associados a atividades contra o fascismo do Estado Novo, como é o caso de Zeca Afonso, José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fernando Lopes-Graça. Embora transitando em universos estéticos distintos, suas vozes reverberaram o desejo pela liberdade de expressão e, consequentemente, pelo fim das ações antidemocráticas do regime. Em especial, no caso de Lopes-Graça, sua trajetória foi marcada pela convivência pouco harmoniosa entre as atividades enquanto membro do Partido Comunista, acarretando consequências profissionais e emocionais graves, entre as quais a impossibilidade de usufruir uma bolsa de estudo em Paris (1934); a prisão na cadeia de Caxias por 224 dias (1936); e a cassação do diploma de professor do ensino particular (1954). Grande parte de sua obra só foi livremente veiculada e ouvida após a revolução de 25 de Abril de 1974.
No Brasil, o golpe militar de 1964 determinou uma transformação na cena cultural como um todo, e especialmente na música. No campo da canção popular, a Bossa Nova passou a dividir espaço com a canção engajada, tendo nos Festivais da Canção promovidos pela televisão, seu principal meio de transmissão. Nesse contexto, firmou se uma tentativa de comunicação direta e imediata com a sociedade, não somente através dos textos de caráter político, mas também da dimensão musical que buscava recuperar modelos musicais oriundos da cultura popular brasileira. O Tropicalismo surgiu como uma via que complexificava as distinções entre nacional e estrangeiro, entre tradição e modernidade e entre arte e entretenimento. Movimento semelhante pode ser observado na música de concerto, em que grupos como Grupo de Compositores da Bahia ou o Grupo Música Nova propunham formas de resistência musical através da composição experimental e de vanguarda. Em diferentes medidas, ambas as esferas musicais foram perseguidas pela ditadura. Cabe lembrar que na mira dos militares não estava somente a dimensão explicitamente política, mas também comportamental, que levou desde à cassação de professores que propunham música de vanguarda na recém-fundada Universidade de Brasília até às prisões de figuras como Rita Lee, Caetano Veloso e Gilberto Gil, apenas para citar alguns exemplos.
Durante o período em que as ditaduras coexistiram nos dois lados do Atlântico e, especialmente, após o “25 de Abril”, músicos brasileiros escreveram canções em que buscavam o diálogo ou a inspiração na situação de Portugal. É o caso de “Os Argonautas” (1969), em que Caetano Veloso, preso e com a perspectiva do exílio iminente, três vezes afirma não avistar o porto; “Tanto Mar” (1975), em que Chico Buarque pede “um cheirinho de alecrim”, ou ainda “Um fado” (1977), de Ivan Lins e Vitor Martins, em que os autores fazem referência a mulheres “contando nos dedos os filhos que faltam nas vinhas” e, ao fim, alterando o célebre verso de Pessoa, reivindicam que “Viver é preciso”. As ditaduras já passaram, mas suas marcas continuam presentes nas sociedades portuguesa e brasileira.
A partir dessa constatação, este dossiê se destina a uma problematização tanto da presença da música e seus atores sociais ao longo desses períodos, quanto de seus desdobramentos até a atualidade.
Editores convidados:
Guilhermina Lopes (CESEM – Universidade Nova de Lisboa)
Fernando de Oliveira Magre (Faculdade de Música do Espírito Santo)
Ana Cláudia de Assis (Universidade Federal de Minas Gerais)
Calendário:
prazo para submissão de trabalhos (10/07/2024);
prazo final para divulgação dos trabalhos aprovados (31/08/2024);
data de publicação do dossiê (30/11/2024).
As submissões deverão ser feitas pelo sistema da Opus (https://www.anppom.com.br/revista/index.php/opus/author/submit/ ) selecionando a Seção “Dossiê ‘Ainda guardo renitente um velho cravo para mim…’: a música no Brasil e em Portugal em tempos de ditadura e sua repercussão na atualidade”.
Os trabalhos submetidos devem seguir as Diretrizes para autores da revista Opus (https://www.anppom.com.br/revista/index.php/opus/about/submissions#authorGuidelines).