À conversa com … #3 João Ricardo

O 3.º episódio de À conversa com… foca-se no percurso de João Ricardo, galardoado no 6.º Concurso de Composição Mauricio Kagel.
À conversa com… reúne uma série de entrevistas escritas que destacam a premiação nacional ou internacional do trabalho de investigadores associados ao CESEM.

Pergunta (P): A obra “WHAT DOES THE WALL SAY”, para piano a quatro mãos, foi distinguida no 6.º Concurso de Composição Mauricio Kagel – um reconhecimento internacional que se junta a outros já alcançados anteriormente, como o do Concurso Internacional de Música Terras de Santiago, além dos prémios nacionais obtidos como a Bolsa Jovens Criadores 2023, o Prémio Carlos de Ponta Leça ou o Concurso Música Nova 2021. Que significado atribui a esta distinção?

Resposta (R): É sempre um privilégio enorme quando um qualquer trabalho nosso é premiado. Este tipo de reconhecimentos é, a meu ver, sempre um pouco ambíguo, considerando toda a subjectividade que qualquer concurso implica. Ainda assim, não deixa de ser um momento que me deixa muito orgulhoso e, mais importante, com ambição e motivação redobrada.

P: Conte-nos um pouco sobre o seu processo criativo, tendo como foco a composição da obra premiada. Quais as suas principais inspirações, que etapas costuma percorrer e quais os desafios mais frequentes?

R: Nas notas de programa tratei esta composição como um “graffiti”, não só pela sua natureza de protesto, sendo que lida com vários casos de violência racial em Portugal, mas também pelas várias citações de John Coltrane, Rage Against the Machine, entre outras. O título começou até por ser what does the BILLBOARD say, a partir do verso em «Freedom», mas o conceito de graffiti entranhou-se em mim de tal forma que a determinada altura passou a what does the WALL say, sem que me tivesse apercebido. Estava, e ainda estou, bastante inspirado por uma escultura em particular, Blood Mirror, em que Jordan Eagles pinta uma tela/parede de vidro com sangue de doações rejeitadas a homens homossexuais, bissexuais e transexuais. Actualmente, artística e academicamente, tenho estado a investigar processos de como usar e aplicar materiais com esta urgência socio-política, em como replicar musicalmente este tipo de murro no estômago. Para isso, em WHAT DOES THE WALL SAY, usei extensivamente letras (nomes de pessoas, cidades, frases, poemas, etc.) e números (idades, datas, estatísticas, etc.) como parâmetros musicais. Tudo isto plano conotado, o que inclui várias matrizes e diagramas para alturas, células, ritmos, estruturas, e por vezes em combinações com momentos mais denotativos, como as tais citações ou os motivos a imitar sirenes e ataques súbitos a imitar tiros.

P: Como caracteriza a relação entre a sua investigação e as demais actividades que exerce, como a composição e a docência? De que forma estas práticas se influenciam ou complementam?

R: Em última instância é sempre uma relação extremamente simbiótica, no sentido em que um lado exerce uma constante influência sobre o outro, o que é extremamente gratificante. A actividade de docente está actualmente em pausa, pois encontro-me no 1º ano do Doutoramento em Música e Musicologia (variante de Composição) na Universidade de Évora, sob a orientação do professor Pedro Amaral e com financiamento pela FCT.

P: Fale-nos sobre a sua colaboração com o CESEM, incluindo a sua participação como bolseiro no projecto PASEV, desenvolvido no pólo da Universidade de Évora. 

R: Desde o meu mestrado na NOVA-FCSH que tenho estado associado ao CESEM, com o Grupo de Investigação em Música Contemporânea, tentando participar ao máximo em todas as actividades que esta filiação implica. Viria depois a ser contratado como bolseiro de investigação no projecto PASEV: Patrimonialização da Paisagem Sonora em Évora (1540-1910), desde 2020 a 2022. Entre as várias publicações, conferências, iniciativas, etc., levadas a cabo pelo PASEV e para as quais tive o enorme prazer em participar, e aprender muitíssimo, destacaria a colaboração com o Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo num jogo interactivo, em que pude contribuir com algumas composições e cujos resultados provisórios se encontram no capítulo “Pequenos Compositores no Museu: Criações Musicais para o Jogo PASEV no Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo” do livro Paisagens Sonoras em Expansão: Novas Sonoridades / Novas Escutas, mas também a edição crítica Requiem Mass based on the version from Évora Cathedral, Portugal, um projecto encabeçado pelo também investigador do CESEM Rodrigo Teodoro de Paula, em que transcrevi os manuscritos, revi e editei as partituras do arranjo eborense do século XIX, para uma instrumentação reduzida, da missa de Requiem de Wolfgang Amadeus Mozart, e que muito em breve verá a luz do dia numa publicação pela Wessmans Musikförlag.

P: Algum objectivo ou projecto futuro que possa partilhar connosco?

R: No que diz respeito a este ano de 2025, estão previstas as reposições de dois projectos operáticos: TORRE DA MEMÓRIA em Matosinhos, pelo Quarteto Contratempus, e O QUE SE ESCONDE NO SILÊNCIO no Porto, pela Réptil Artes Performativas. Relativamente a novas obras, PRETEND THE WORLD IS FUNNY AND FOREVER, para ensemble misto, estreará em Junho em Bled, na Eslovénia, e SHARK WANK, para violino, violoncelo, piano e eletrónica, estreará em Outubro no Lisboa Incomum.


NOTA: A obra “WHAT DOES THE WALL SAY” (gravação em estúdio) está disponível aqui.

Seguiremos atentos ao percurso de João Ricardo. Enquanto isso, continuaremos À conversa com…