Abertas as inscrições no Workshop do projecto MARCMUS

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Este projecto centra-se nos manuscritos musicais da colecção ainda praticamente inexplorada do 15.o Conde de Redondo, hoje guardada na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP). Ilustre membro de uma das famílias nobres mais antigas de Portugal, José Luís Gonzaga de Souza Coutinho Castelo-Branco e Menezes (1797-1863) foi o mais notável mecenas do século XIX em Portugal; além disso era um compositor e músico praticante, especialmente proficiente na arte de cantar. Nas casas do Conde de Redondo (os Palácios de Santa Marta, em Lisboa, e a Quinta do Bom Jardim, em Belas), a música de câmara doméstica mais intimista e as sumptuosas festas religiosas, onde a música se destacava, eram ocorrências comuns. Os principais compositores da época – Marcos Portugal (1762-1830), António Leal Moreira (1758-1819), João José Baldi (1770-1816), Frei José Marques e Silva (1782-1837), para citar apenas alguns – eram visitantes regulares ou eram contratados pelo Conde (VIEIRA, 1900). Não é de estranhar que o conteúdo desta colecção musical única pareça reflectir a prática musical contínua e o apoio inabalável de músicos e compositores, visto que é altamente representativa da música portuguesa de meados do século XVIII até ao final do século XIX. Essas tradições familiares, bem como o enriquecimento do acervo, prosseguiram pelos esforços do filho do Conde, Fernando Luís de Sousa Coutinho (1835-1928), 3.o Marquês de Borba. Após a sua morte, a colecção passou despercebida e sem ser utilizada até ser comprada pelo Instituto Português do Património Cultural no final dos anos 1970.

“As marcas de água […] são mais úteis em conjunto com outro tipo de indícios, como caligrafias, estilos de tipo e pautas musicais. Padrões de mudança, ou indicações de data e local em mais de um destes elementos, têm um forte efeito corroborativo: a imprecisão de cada um é em grande parte anulada, e as marcas de água podem então tornar-se uma ferramenta de pesquisa muito potente.” (BOORMAN, 2001)

Desde o final dos anos 1950, quando Alfred DÜRR (1957) reviu completamente a datação das cantatas de Bach através de uma comparação detalhada das marcas de água, a crítica de fontes revolucionou a maneira como os estudiosos examinam as partituras musicais. Outros estudos semelhantes dignos de menção contribuíram muito para a cronologia das obras de Mozart e Beethoven (TYSON, 1975 e 1987, JOHNSON et al, 1985). Questões de autoria e procedência também beneficiaram marcadamente com os estudos de papel: “Mesmo uma reprodução imprecisa de uma marca de água pode levar o pesquisador a obter materiais suficientemente semelhantes para fornecer pistas vitais para pesquisas futuras” (LARUE, 1998). Se o estudo da marca de água for complementado pelas dimensões da pauta e pela identificação de caligrafias, a precisão – e, portanto, a utilidade – das descobertas será muito melhorada. Numa escala mais ampla, o fabricante de papel de música e a relação com seu usuário final – o compositor ou o copista – trazem à tona considerações relevantes de trocas culturais e comerciais, que também serão valiosas para o historiador.

Apesar de ser um reconhecido instrumento de investigação poderoso e único, a crítica de fontes musicológicas, em particular os estudos de papel e caligrafia, é uma disciplina muito negligenciada em Portugal no período considerado (séculos XVIII e XIX). As referidas características da colecção do Conde de Redondo tornam-na ideal para um estudo de caso de crítica de fontes na música portuguesa. Os resultados esperados vão lançar as bases para um Centro de Estudos de Papel de Música e Caligrafias e assim acelerar o progresso, ao mesmo tempo estabelecendo a crítica de fontes portuguesa de acordo com os padrões internacionais. O projecto visa registar sistematicamente e preservar digitalmente as marcas de água e os tipos de papel (a conjunção da marca de água e o número e tamanho das pautas desenhadas pelos rastra) dos manuscritos musicais da colecção. Também gravará as caligrafias literárias e musicais dos copistas e compositores envolvidos (pesquisas preliminares mostraram que a colecção possui um número significativo de autógrafos). A correspondente página online do projecto permitirá o acesso gratuito às bases de dados correlacionadas resultantes (marcas de água / tipos de papel e caligrafias). A base de dados de marcas de água e tipos de papel também estará disponível no Bernstein Project: the Memory of Paper, o maior projecto internacional de seu tipo (em 10 idiomas), que inclui 50 colecções e mais de 264.000 marcas de água pesquisáveis (www.memoryofpaper.eu).