À conversa com … #4 Juliana Wady
Pergunta (P): Foi distinguida no Otto Mayer-Serra 2024, um concurso cujo objectivo consiste na premiação dos melhores ensaios inéditos sobre música ibérica e latino-americana. Qual o significado que atribui a esta condecoração?
Resposta (R): Fiquei, de fato, muito feliz com esse reconhecimento! Mais do que o prêmio em si, o que teve um significado profundo para mim foi entender que a minha investigação poderia ter um impacto positivo no campo dos estudos musicológicos ibero-americanos. Isso tem um peso especial não apenas porque venho me dedicando a essas conexões há bastante tempo, mas também porque essa temática dialoga diretamente com a minha própria trajetória – tanto acadêmica quanto pessoal – marcada por essa vivência entre Portugal e Brasil. Receber um prêmio nesse contexto, portanto, é ainda mais gratificante e, sobretudo, encorajador.
P: O trabalho laureado centra-se na música portuguesa entre o acervo de Mário de Andrade, um nome incontornável da musicologia brasileira. Aquando do seu mestrado, apresentou uma análise d’As Cirandas de Heitor Villa-Lobos, compositor e maestro brasileiro. Considera que os seus maiores interesses no que ao pensamento sobre música diz respeito estão invariavelmente relacionados às ligações entre o Brasil, onde nasceu, e Portugal, onde estuda e vive?
R: Desde que me mudei para Portugal, em 2016, para estudar musicologia histórica em Évora, houve um interesse espontâneo da minha parte nas relações entre Brasil e Portugal. Inicialmente, esse interesse não era exatamente de ordem musicológica, mas sim fruto de um conflito identitário que eu começava a vivenciar e a refletir: o que significava “ser” brasileira e/ou “ser” portuguesa ou mesmo ser imigrante nestas condições. Naturalmente, essa inquietação foi se entrelaçando com meu principal objeto de estudo: a música. A partir daí, essa busca por conexões musicais luso-brasileiras se tornou uma espécie de “missão”. Eu enxergava uma série de relações musicais entre Brasil e Portugal que despertavam a minha curiosidade e à medida que fui me aprofundando na musicologia compreendi com mais clareza que esse seria meu caminho. Afinal, me parecia que estudar os vínculos musicais e musicológicos entre Brasil e Portugal era, de certa forma, também estudar minha própria identidade como luso-brasileira.
P: Fale-nos da sua relação com o CESEM, onde é actualmente investigadora integrada não doutorada.
R: Meu primeiro contato com o CESEM aconteceu por meio dos professores Filipe Mesquita e Vanda de Sá, da Universidade de Évora, a quem sou profundamente grata pelo incentivo e orientação desde a época da licenciatura. Foram eles que me apresentaram a possibilidade de prosseguir para um mestrado em Ciências Musicais na NOVA FCSH e foi justamente com essa transição que a minha ligação com o CESEM se aprofundou de forma significativa, até culminar no doutoramento. Atualmente, além de ser bolseira no projeto estratégico do CESEM, considero que mantenho uma relação bastante ativa com o Centro, estando envolvida em diversas frentes e contextos.
P: De que modo é a bolsa importante para a continuidade do trabalho que desenvolve na envergadura do projecto “História Temática da Música em Portugal e no Brasil”?
R: Embora ambiciosa, uma história temática da música em Portugal e no Brasil me parece profundamente conectada à minha trajetória em vários níveis. Por isso, é com grande entusiasmo e senso de responsabilidade que espero que o meu trabalho ao longo do doutoramento possa contribuir de forma significativa para a construção dessa grande narrativa. No entanto, e como parte do peso de um projeto desta dimensão, acredito que participar disso também nos exige um olhar crítico e atualizado, especialmente à luz das discussões contemporâneas em torno do decolonialismo. As narrativas históricas hoje, inclusive na musicologia, estão sendo ressignificadas a partir desse novo enquadramento e penso que é fundamental que essa consciência permeie a forma como abordamos e reconstituímos as histórias musicais luso-brasileiras.
P: Algum objectivo ou projecto futuro que possa partilhar connosco?
R: Neste momento, no que concerne à minha vida acadêmica, estou totalmente dedicada à reta final da tese de doutoramento. Tenho procurado, por um lado, desenvolver os últimos aspetos da investigação e, por outro, aceitar que a pesquisa é um processo contínuo e que o doutoramento representa uma etapa desse percurso. O que implica reconhecer e deixar lacunas que poderão ser revisitadas com novas perguntas e abordagens, com as quais eu gostaria de seguir num futuro próximo. No mais, apesar do cenário desafiante que atravessamos na ciência e na musicologia, mantenho o desejo de continuar a contribuir para o fortalecimento das relações musicais luso-brasileiras, que permanecem como o cerne do meu interesse académico e pessoal.
Seguiremos atentos ao percurso de Juliana Wady. Enquanto isso, continuaremos À conversa com…